Haela Ravenna Hunt-Hendrix é uma intelectual fascinante. Líder da banda Liturgy, faz parte de um movimento de “queering of heavy metal”, para usar uma expressão dela. Tal como em projectos como Uboa or Victory Over The Sun, a expressão de género e a transição influenciam a atmosfera criativa da música, da lírica, de tudo o que é estética e ética. Hunt-Hendrix é uma mulher transgénero e percebe-se que Marx é uma influência da sua filosofia. Estes dois elementos biográficos já são incomuns em músicos de Black Metal. Mas mais surpreendente ainda é a sua espiritualidade com muito de hermetismo cristão. O seu Black Metal (como toda a sua música), é luminoso e transcendente. Escutá-la em entrevistas é tocante. Fala devagar, há uma modéstia intelectual à Ursula K. Le Guin, onde não há pinga de humildade falsa, procura ir de encontro ao que o interlocutor conhece. A força e a vulnerabilidade confundem-se na forma como se expressa. E de resto a música de Liturgy tem vindo a crescer enquanto fenómeno de grande fôlego e originalidade. Quando apresentou o seu manifesto “Transcendental Black Metal” em 2010 foi muito mal recebida, com o ódio habitual dos sectores mais misóginos e racistas do Black Metal. As coisas mudaram muito, nos últimos anos. Houve um apropriamento, quase uma invasão do espaço do Black Metal, por parte de anarquistas e marxistas, pessoas queer, afrodescendentes e muitos outros membros de grupos e expressões que muitos fãs conservadores deste subgénero musical sempre desprezaram. Como já disse uma vez em relação a Zeal & Ardor, são estes marginais, tradicionalmente excluídos, que salvaram o Black Metal de si mesmo. Quanto a mim, são muito benvindos, nunca os setores mais extremos do heavy metal foram tão bem frequentados. Venham mais, e muitos.